O EROTISMO EM BRANCA DE NEVE

“Mesmo os contos de fadas, com seu senso de justiça ingênuo, seu materialismo obstinado e seu espectro imaginativo por vezes estreito, raramente enviam mensagens sem ambiguidade”
(Maria Tatar)
RESUMO
Este artigo apresenta o contexto histórico da origem, endereçamentos e modificações dos contos de fadas e a análise feita a partir do erotismo sugerido pela linguagem no conto “Branca de Neve” dos irmãos Grimm. Autores da literatura e da psicanálise servirão como base teórica para este artigo que mostrará que, até na literatura infantil, pode-se tirar diferentes conclusões, de acordo com a leitura de mundo do receptor.
Palavras-chave: Contos de fadas; Erotismo; Branca de Neve; Literatura.

RÉSUME
Cette article présente le contexte hitorique de l’origine, adressement des comptes de fées et l’analyse fait àpartir d’érotisme en suggérant pour la language dans le compte “ Blanche de Neige” des frères Grimm. L’auteurs de la littérature et de la psychanalyse théorique serviront comme la base théorique pour cette article qui montrera que, jusque dans la littérature pour enfants, on peut prend diférents conclusions, d’acord avec la lecture du monde du recepteur.
Mots-clé: Le compte de fées; l’érotisme; Blanche de Neige; la littérature.

INTRODUÇÃO
Branca de Neve é um conto de fadas que, assim como muitos outros, tem outras possibilidades de interpretação que às vezes fogem da intenção do autor. Estas interpretações foram surgir algum tempo depois da origem destes contos na forma escrita. Hoje, além de ainda servir como refúgio para um mundo encantado e maravilhoso que as crianças necessitam, os contos servem de exemplo para se explicarem alguns fenômenos psicológicos e de janela para as diversas conclusões que se podem tirar desta literatura.
Este artigo se divide em duas partes: a primeira trará o contexto histórico dos contos em geral: sua origem, seu endereçamento e modificações em geral que foram se modificando de acordo com o tempo e espaço. A segunda parte tratará do que o nome do artigo enfatiza: o erotismo no conto “Branca de Neve”, na versão dos irmãos Grimm. Apoiando-se em autores de grande porte, tanto da literatura quanto da psicanálise, implicitamente pudemos encontrar o erotismo no conto. Os enunciados, às vezes fragmentados, podem nos dar um sentido totalmente diferente daquilo que ele unido induz. Portanto, nas palavras de Ítalo Moriconi resumimos este artigo assim: “ao leitor bom proveito; diante do feito, provemos seu efeito” .

Os contos de fadas e o contexto histórico
Onde e quando surgiram os contos de fadas? Certamente muito antes da escrita. São uma herança popular de todos os cantos da terra, porém, só foram descobertos a partir de algumas fontes graças aos estudos da arqueologia. No século XVIII, lendas e histórias passadas de pais para filhos puderam ser comprovadas com achados no Egito, Oriente, Grécia e Roma; também foi descoberto que muitas histórias tinham várias versões e eram contadas em vários lugares diferentes. Aí nesse meio já víamos os contos maravilhosos e de fadas serem relatados.
Entretanto, foi no século XVII que a primeira coletânea de contos infantis foi publicada. Charles Perrault (1628 - 1703), francês e burguês, é o precursor, de acordo com a História da Literatura, escrevendo em 1697 os “Contos da Mamãe Gansa”, livro que continha oito histórias recolhidas das narrativas de suas amas.
É claro que, para que suas amas soubessem contar essas histórias já deveriam tê-las ouvido em seu meio. Na verdade, esses contos foram primeiramente endereçados a adultos como forma de entretenimento. Geralmente, esse público era de classe baixa e se reunia para ouvir tais histórias porque a vida deles não era nada fácil. Eles tinham um dia sofrido, e, para fugir da realidade que os cercava, iam para um mundo imaginário. Tatar (2004), ao citar John Updike, enfatiza:
“John Updike nos lembra que os contos de fadas que lemos hoje para as crianças tiveram suas origens numa cultura em que histórias eram contadas entre adultos: ‘Elas eram a televisão e a pornografia de seu tempo; a subliteratura que iluminava a vida de povos pré-literátios’” (p. 9).
As narrativas chegavam ao ouvido das crianças sem nenhuma barreira para tirar violência, pornografia ou vícios que hoje já não convêm contar , pois “a criança, na época, era concebida como um adulto em potencial” (Cademartori, 2006).
Além de se dever a época (até o início do século XVI) também não haviam barreiras para as crianças por conta da mentalidade, pois ainda não se difundiam com força os preceitos cristãos. Ariès (2006) explica:
“Essa ausência de reserva diante das crianças, esse hábito de associá-las a brincadeiras que giravam em torno de temas sexuais para nós é surpreendente: é fácil imaginar o que diria um psicanalista moderno sobre essa liberdade de linguagem, e mais ainda, essa audácia de gestos e esses contatos físicos. Esse psicanalista, porém, estaria errado. A atitude diante da sexualidade, e sem dúvida a própria sexualidade, variam de acordo com o meio, e, por conseguinte, segundo as épocas e as mentalidades” (p. 78).
No final do século XVI educadores começaram a se preocupar com a leitura dada às crianças. Alguns livros foram proibidos, pois estes continham alguns conteúdos duvidosos. É certo que isso acontece primeiramente com a burguesia, pois ela tinha crianças alfabetizadas. Ariès (2006) comenta:
“Nasceu então a idéia de se fornecer às crianças edições expurgadas de clássicos. Essa foi uma etapa muito importante, é dessa época realmente que podemos datar o respeito pela infância. Essa preocupação surgiu na mesma época tanto entre católicos como entre protestantes, na França como na Inglaterra” (p. 83).

Por isso que os contos de Perrault são endereçados à burguesia, como diz Cademartori (2006):
“O trabalho de Perrault é de um adaptador. Parte de um tema popular, trabalha sobre ele e acresce-o de detalhes que respondem ao gosto da classe à qual pretende endereçar seus contos: a burguesia” (p. 36).
Após o momento folclórico que não visava a infância, veio o de adaptação pedagógica que focava o público infantil. Tinha como objetivo passar valores e padrões a serem respeitados pela sociedade e também incorporados pela criança. Vemos agora a transformação desses contos, antes, da literatura popular, agora, da literatura infantil. A moral é prioridade na educação, sobre a qual Ariès (2006 ) faz nota:
“Formou-se assim essa concepção moral da infância que insistia em sua fraqueza mais do que naquilo que M. De Grenaille chamava de sua natureza ilustre, que associava sua fraqueza à sua inocência, verdadeiro reflexo da pureza divina, e que colocava a educação na primeira fileira da obrigações humanas” (p. 87).
A mudança de público com o tempo foi possível por um dos fatores cruciais entre as duas literaturas (popular e infantil): a identidade. Coelho (2000) afirma: “Em outras palavras, no povo (ou no homem primitivo) e na criança, o conhecimento da realidade se dá através do sensível, do emotivo, da intuição... Em ambos predomina o pensamento mágico, com sua lógica própria” (p. 41). Cademartori (2006) concorda:
“Na base do trabalho de adaptação, está o conceito de que a ingenuidade da mentalidade popular identifica-se com a ingenuidade da mentalidade infantil... os laços entre literatura popular e literatura infantil e que tem por base a aproximação de duas ignorâncias: a do povo, devido a condição social, e a da infância, devido à idade” (p. 39).
A preocupação pedagógica conseguiu calar por um tempo questões relativas à sexualidade, mas elas estão lá, ainda que implícitas, e podem ser vistas quando não lidas como algumas versões infantis estimulam. Cademartori (2006) ainda acrescenta que “só a interpretação, que vai além do linear e da mera sequência de fatos, põe a descoberto os conflitos que o texto, numa leitura ingênua e superficial, encobre” (p. 24).
É bom salientar que os contos, antes de tudo, foram criados anteriormente a qualquer manifestação religiosa que pudesse silenciar a criatividade do povo desfavorecido. Logo, qualquer tentativa de eliminar definitivamente algum resquício dos contos originais é vã, tendo em vista que “o patrimônio imaginário dos contos fala mais alto que qualquer freio ou intenção que, essencialmente, não portem” (Cademartori, 2006, p. 42).

O erotismo no conto “Branca de Neve”
Os irmãos Grimm reuniram duzentos contos e lendas populares entre 1812 e 1815 sob o título Kinder-und Hausmärchen (contos de fadas para crianças), fazendo, depois de Charles Perrault, sucesso com seus contos, só que desta vez endereçados a este novo público: o infantil. Isso foi possível graças a variação de tempo e espaço, pois, agora a época é Romântica e põe em voga o gosto pelo maravilhoso, pelo humanismo, confiança e esperança na vida.
Branca de Neve está inserida entre os contos de fadas que são motivos para múltiplas interpretações. A linguagem simbólica é rica, por isso o interesse, principalmente da psicanálise, em “desvendar” os mais diversos sentidos e trazê-los para situações reais. A seguir, veremos que a ambiguidade de alguns enunciados acontece mesmo sem que o autor se ocupe de tê-lo feito propositalmente, mas, claro, do que o receptor pode entender de acordo com a sua leitura e experiência de mundo. Sobre isto, Coelho (2003) diz:
“A linguagem simbólica é ambígua, não tem significado unívoco e definitivo. Sua significação depende não só da intencionalidade e visão de mundo daquele que a inventa ou cria (o autor), como também daquele que a ouve ou lê e a interpreta (o receptor)” (p.32).
O conto começa dessa forma:
"Era uma vez uma rainha. Um dia, no meio do inverno, quando flocos de neve grandes como plumas caíam do céu, ela estava sentada a costurar, junto de uma janela com uma moldura de ébano. Enquanto costurava, olhou para a neve e espetou o dedo com a agulha. Três gotas de sangue caíram sobre a neve. O vermelho pareceu tão bonito contra a neve branca que ela pensou: “Ah, se eu tivesse um filhinho branco como a neve, vermelho como o sangue e tão negro como a madeira da moldura da janela.”Pouco tempo depois, deu à luz uma menininha que era branca como a neve, vermelha como o sangue e negra como o ébano. Chamaram-na Branca de Neve. A rainha morreu depois do nascimento da criança."
Encontramos logo no começo do conto a sugestão dos problemas que serão resolvidos mais adiante: o contraste entre a inocência sexual - simbolizada pela brancura - e o desejo sexual - simbolizado pelo sangue vermelho - (Bettelheim, 2007 - 281). Sobre isso Bettelheim continua:
“Os contos de fadas preparam a criança para aceitar aquilo que de outro modo é um acontecimento bastante perturbador: o sangramento sexual, tal como ocorre na menstruação e, posteriormente, na relação sexual, quando o hímen é rompido”.
A cor vermelha aparece adiante na maçã e na descrição de Branca de Neve após sua morte. Nestes outros dois casos a cor também sugere o desejo sexual e estes serão tratados mais à frente.
Após um ano da morte da rainha, o rei se casa novamente e nada acontece até Branca de Neve completar sete anos. Nesta idade ela começa a representar um perigo para a rainha, pois sua beleza está aflorando e o espelho já não atende aos desejos da madrasta de ser a mais bela: a enteada agora começa a tomar seu lugar e ela, narcisista, preocupa-se em perder para a juventude da princesa. A aparência para as mulheres é fundamental e elas desejam ser notadas a qualquer preço. Alberoni (1988) afirma que “o correspondente feminino do poder é a grande beleza. Também nela se oculta uma carga competitiva terrível (...) A mulher muito bonita desperta desejo, mas também desconfiança e temor” (p.37). É desta forma que a rainha se apresenta aos olhos de seus súditos e de Branca de Neve.
O espelho representa a voz do homem. Corso e Corso (2006), sobre o espelho, interpretam:
“A admiração do ser amado, de quem normalmente exigimos que, como o espelho, diga alto e claro o quanto nos aprecia, é o melhor certificado de adequação a este olhar, pois significa que alguém viu, gostou e desejou aquilo que somos” (p.80).
Esse medo de perder o posto de “a mais desejada” entre os homens preocupa a madrasta de Branca de Neve. Assim, a rainha resolve mandar matá-la afim de conseguir eliminar a concorrente, e ainda: comer os seus órgãos para adquirir, num ato canibalesco, toda a beleza e encanto da menina . Entretanto, o caçador enviado para matar a enteada da rainha não consegue completar o trabalho, pois “Branca de Neve era tão bonita” (2004, p.88). Então a garota foge e, no meio da floresta perigosa, encontra uma casinha.
Na casinha tudo é limpo e branco: toalha da mesa e lençóis são comparados à neve (aqui novamente encontramos com a brancura, símbolo da inocência sexual). Quando os anões chegam e encontram Branca de Neve dormindo, “ficam tão encantados com aquela visão que resolveram não acordá-la, deixá-la continuar dormindo em sua caminha” (2004, p.90). Novamente a beleza paralisa o sexo masculino, apesar de os anões não representarem uma ameaça sexual direta.
Alberoni (1988) diz: “também para Miller o erotismo é sempre um relacionamento sexual repentino, fácil, desenfreado, com uma mulher jamais vista antes, ou conhecida a alguns instantes” (p.14). A palavra “encantados” sugere essa conotação, um fascínio diante de uma menina bela e desconhecida. O verbo “ficar” no Presente do Indicativo insinua que não só naquele momento, mas todo o tempo era neste estado que eles ficavam ao vê-la.
Depois da primeira noite resolvem deixá-la ficar com uma condição: só poderá ficar se quiser cuidar da casa para eles, ou seja, cozinhar, fazer as camas, lavar, costurar, tricotar, e manter tudo limpo e arrumadinho. Em resposta a esta condição, Branca de Neve fala: “Sim, quero ficar, não desejo outra coisa” (2004, p.91). Nesse momento entende-se que a menina passa para um novo estágio de desenvolvimento onde pode cumprir um contrato e preparar-se para o matrimônio.
Quando a mulher limpa a casa, sua intenção não é somente deixá-la agradável para si, mas principalmente para os outros, como afirma Alberoni (1988):
“Quando a mulher inicia uma relação amorosa que a agrada muito, gasta uma energia incrível preparando a casa, tornando-a atraente, confortável, acolhedora, de modo que o seu homem ali encontre alegria e vida” (p.43).
Assim, a companhia dos anões a agrada, e, para mantê-los felizes faz todos os trabalhos domésticos. O contrato que ficou estabelecido entre eles de limpar tudo para poder morar com os anões está em segundo plano.
Infelizmente, a madrasta fica sabendo através do espelho que a menina ainda está viva e mora na casa dos anões. Então, para que não corra o risco de ser novamente enganada, resolve ela mesma ir disfarçada ao encontro de Branca de Neve. O que acontece então? Ora, a rainha má leva mercadorias que encantem uma adolescente imatura que quer seduzir. Os dois primeiros objetos são cordões multicoloridos para corpete e um pente; ambos servem para enaltecer a beleza para que os outros reparem. Alberoni (1988) comenta:
“O interesse das mulheres pelos cremes de beleza, pelos perfumes, sedas, peles, tem um significado mais erótico que social (...). Havelock Ellis, nos seus estudos, afirmava que as mulheres possuem um extraordinário erotismo cutâneo. Retomando essas observações, Beatrice Faust, defende a tese de que os perfumes, as roupas íntimas delicadas, os corpetes, os saltos altos constituem, no seu conjunto, um complexo de estímulos de altíssima carga auto-erótica” (p.10).
De acordo com a moda da época, as mulheres começavam a usar corpete na adolescência. O conto não diz por quanto tempo a menina morou com os anões, mas as tentações levadas pela rainha sugerem que ela está na fase da adolescência. Bettelheim (2006) considera que:
“O significado desse episódio está em sugerir os conflitos de Branca de Neve a respeito de seu desejo adolescente de estar bem espartilhada, porque isso a torna sexualmente atraente. Seu tombar inconsciente simboliza o ter sido ela esmagada pelo conflito entre seus desejos sexuais e sua angústia a seu respeito (...). Os anões a advertem de novo, e desta vez mais seriamente, contra os truques da rainha má – isto é, contra as tentações do sexo. Mas os desejos de Branca de Neve são muito fortes (...). As intenções conscientes de Branca de Neve são dominadas por seu desejo de ter um belo penteado, e seu desejo inconsciente é ser sexualmente atraente” (p.291-292).
Após esses dois episódios a rainha confecciona em sua câmara secreta “uma maçã cheia de veneno. Do lado de fora era bonita – branca com as faces vermelhas – vê-la era desejá-la. Mas quem lhe desse a menor das mordidas morreria” (2004, p.95). Mas, quem era branca com as faces vermelhas? A maçã toma as características de Branca de Neve. Logo à frente o enunciado afirma que o “vê-la era desejá-la” é ambiguo, ou seja, se ver a maçã era desejá-la também assim era com Branca de Neve. Observemos as duas figuras abaixo que ilustram essa intenção erótica:

        

 
 









"Do lado de fora, era bonita – branca com as faces vermelhas – vê-la era desejá-la."

  
Quando se fala em maçã, rapidamente nos lembramos de Adão e Eva, sendo a maçã o símbolo do desejo proibido. A parte branca aqui é o amor, a vermelha o sexo, o veneno a sexualidade. Ao morder a maçã Branca de Neve deixa de ser menina e se torna uma mulher, findando assim a inocência.
Os anões chegam e tentam reavivar a menina, mas não conseguem. Eles “desataram seu corpete, banharam-na com água e vinho, mas foi tudo em vão” (2004, p.97). Viram a Branca de Neve, agora mulher, nua. Alberoni (1988) coloca que “os homens, ao contrário, ficam excitados com a nudez da mulher e fantasiam um relacionamento sexual com ela” (p.12). Pode-se imaginar quatorze mãos sendo passadas por Branca de Neve, inclusive, a mulher mais linda do mundo sendo banhada por sete homens, e estes, de forma alguma se excitarem ao vê-la? Certamente é difícil, afinal, eles não eram parentes, apenas acolheram-na quando menina .
Por não terem coragem de enterrá-la - pois sua beleza era extraordinária - os anões resolvem confeccionar um caixão de vidro transparente para Branca de Neve, que não parecia estar morta, pois suas faces ainda estavam vermelhas. Um dia, um príncipe atravessava a floresta e chegou a casa dos anões. Quando viu Branca de Neve imediatamente quis levá-la. Ele disse aos anões: “dêem-me então como um presente, pois não posso viver sem ver Branca de Neve” (2004, p. 98). Alberoni (1988) declara que “o erotismo masculino é ativado pela forma do corpo, pela beleza física, pelo fascínio, pela capacidade de sedução” (p.31). Branca de Neve o seduz, como afirmam Corso e Corso (2006):
“Em seu sono letárgico, Branca de Neve seduz passivamente (...). tão viva ela está, que sua imagem seduz o príncipe (...). ele é apenas mais um homem que se apaixona pela imagem de passividade da mulher. Branca de neve em seu esquife de cristal é a imagem de uma mulher entregue ao desejo de seu príncipe.
Estar corada é uma expressão da vivacidade do desejo, que nos esquenta quando ruborizamos. A cor vermelha também costuma tingir as faces dos adolescentes, quando são vistos, mencionados ou abordados por alguém que lhes interessa ou consideram. Portanto, essa morte de Branca de Neve mais expressa a possibilidade de ser vista do que um sono propriamente dito. O feitiço da madrasta torna possível que sua beleza possa ser exibida e desejada, disponível para o amor na sua urna transparente” (p.84).
O príncipe se apaixona pela imagem de Branca de Neve, e esta, quando se livrou do pedaço da maçã que estava entalado na sua garganta (os criados tropeçaram em um arbusto e o solavanco fez o pedaço da maçã sair) conversou com o príncipe. Este disse: “eu te amo mais do que tudo. Venha comigo para o castelo do meu pai, seja minha noiva” (2004, p.98). Após ter ouvido o príncipe, Branca de Neve sentiu uma “afeição” por ele, aceitando partir. Alberoni (1988) diz:
“O erotismo feminino é profundamente influenciado pelo sucesso, pelo reconhecimento social, pelo aplauso, pela classificação no elenco da vida (...). A mulher quer fazer amor com um artista famoso, com um líder, com quem é amado pelas outras mulheres, com quem é respeitado pela sociedade” (p.32).
Vemos então o interesse de ambos: o príncipe pela aparência sedutora da princesa, e esta pelo que este tem e é (ele tem castelo, é um príncipe!).
De tanto querer ser a mais bela, a mais atraente, a rainha acaba dançando até a morte calçada com sapatos de ferro incandescentes preparados exclusivamente para ela no casamento de Branca de Neve. O “ser” erótico às vezes é tão desejado pelas mulheres que acabam funcionando como armadilha contra elas mesmas. Saber dosar é essencial para que não se acabe como a rainha da história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os contos de fadas sofreram inúmeras adaptações para que se tornassem infantis, mas ainda assim carregam consigo a essência, com violência e erotismo. assim, Branca de Neve não é o único conto a ser visto na forma erótica. “Chapeuzinho Vermelho”, “A Bela e a Fera” também podem ser tomados como exemplos de que ainda há resquícios da literatura popular na infantil ou de que conotações sugestivas podem ser feitas, dependendo da leitura de mundo de cada um.
A psicanálise faz uso dos contos de fadas para explicar algumas ocorrências psicológicas, não que o conto tenha sido feito com este objetivo. A literatura encontra neles interpretações que as crianças às vezes não imaginam, mas que estão ali. Muitas pessoas podem não acreditar nessas conclusões de contos tão amados por elas na infância. Entretanto, vale ressaltar que toda opção comprovada é válida, pois ninguém pode negar que tudo é uma questão de efeito.

Orientadores: Hércules Tolêdo (prof. Dr. na UFMG)
Tânia Ataíde (Profª. Msª. de literatura na Universidade do Estado do Amapá - UEAP)
Acadêmica: Lorenna Braga (acadêmica do curso de Letras, 6º semestre, pela UEAP)

REFERÊNCIAS
ALBERONI, Francesco. O Erotismo. Tradução: Elia Edel – Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 21.ed. Tradução: Arlene Caetano – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 2006.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática. 1.ed. São Paulo: Moderna, 2000.
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas: Símbolos, Mitos, Arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no Divã: Psicanálise nas Histórias Infantis.
TATAR, Maria. Contos de fadas: edição comentada e Ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.