“ANÁLISE DO ROMANCE “VIDAS SECAS”, DE GRACILIANO RAMOS A PARTIR DE UMA VISÃO DA SOCIOLOGIA”

I- INTRODUÇÃO

Falar de Vidas Secas representa enfrentar uma complexidade que não se pode encontrar em qualquer obra. Trata-se na verdade de um romance onde não somente a terra é considerada seca, mas também os sentimentos, os sonhos, as pessoas, as relações entre as pessoas, as vidas, enfim, tudo o quanto vem a existir neste “universo paralelo” criado por Graciliano Ramos tornar-se árido e infrutífero. É como se o eu - poético tivesse o poder de tornar em pedras de sal tudo quanto toca. Este romance é recheado de figuras de linguagem, e não é difícil identificá-las ao longo de sua leitura. Apresentaremos a seguir uma análise dos elementos que compõem a narrativa do romance e das figuras de linguagem encontradas no mesmo, ressaltando a importância do uso destas, que são tão utilizadas em nosso dia-a-dia e que tanto contribuem para o melhoramento de nossas produções textuais. Portanto, o que não tem sido devidamente esclarecido ao grande público de leitores, agora terá uma atenção especial neste trabalho elaborado para este fim.

II- ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A NARRATIVA DO ROMANCE “VIDAS SECAS”, DE GRACILIANO RAMOS

2.1- ENREDO
Uma família de retirantes nordestinos inicia um périplo ao fugir das secas. Depois de vários dias de viagem, encontram uma fazenda abandonada e nela se alojam. Quando o dono retorna, Fabiano – chefe da família de retirantes e protagonista – trabalha para aquele (Seu Tomás da Bolandeira), durante um período de bonança. Sobrevinda nova seca, anunciada pela vinda dos urubus, a família retoma a sua jornada, mas com esperança de tudo mudar, embora a obra seja um eterno ciclo.

2.2- PERSONAGENS

2.2.1 – FABIANO
É o personagem principal da estória. Um pai duro, que não demonstra sentimentos, tem apenas o objetivo de sobreviver na vida, assim como toda a família. Sua profissão é ser vaqueiro, e isso veio de gerações, nunca mudando seu status social. Possui uma linguagem pobre, escassa, assim como a seca que há no sertão. Às vezes, quando tenta “falar difícil”, como seu Tomás da Bolandeira, seu patrão e “ídolo”, acaba se atrapalhando, pois a linguagem falada é pouco utilizada pela família.
“Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.”
(Capítulo “CADEIA” – pg. 28)

2.2.2 – SINHÁ VITÓRIA
É a mulher de Fabiano. Seu nome é incoerente à sua vida. Cuida da casa enquanto Fabiano trabalha; faz contas certas para mostrar ao marido os freqüentes roubos de seu patrão. Sinhá vitória sonha com uma cama de lastro e couro igual à de seu Tomás da Bolandeira, sendo esta o símbolo de uma ascensão social.
“Sinhá Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual a de seu Tomás da Bolandeira. ”
(Capítulo “SINHÁ VITÓRIA” – pg. 46)

2.2.3 – MENINO MAIS NOVO
Tem como “ídolo” seu pai. O menino sonha em poder fazer tudo o que o pai faz, até porque esta é a única profissão que tem como referência, já que outras estão longe de sua visão. Não conhece a escola e não tem nome, assim como o menino mais velho.

“Naquele momento Fabiano lhe causava grande admiração. Metido nos couros, de perneiras, gibão e guarda-peito, era a criatura mais importante do mundo.”
(capítulo “O MENINO MAIS NOVO” – pg. 47)

2.2.4 – MENINO MAIS VELHO
É um menino curioso. Tenta conhecer o significado da palavra “inferno” (que é comum ao falante da língua portuguesa), perguntando à sua mãe o seu significado, mas infelizmente não obtém resposta, apenas um cocorote. No decorrer da estória se nota que por não fazer uso da linguagem falada com freqüência, procura preencher-se de vocabulários esquisitos, como os sons emitidos pela natureza ou mantendo conversas com a cachorra Baleia.
“Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos eu rangiam na catinga, roçando-se.”
(capítulo “O MENINO MAIS VELHO” – pg. 59)

2.2.5 – BALEIA
É considerado um membro da família. Nota-se que o narrador lhe pôs sentimentos e consciência, como se fosse humana. Quando consegue comida não pensa apenas em si, mas na família inteira, tendo a responsabilidade de ajudar os outros. Ela é mais presente no dia-a-dia dos meninos que os próprios pais.
“Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinhá Vitória guardava o cachimbo.”
(capítulo “BALEIA” – pg. 90)

2.2.6 – SOLDADO AMARELO
É o símbolo do poder do governo. Por mais que fosse amarelo e magro, era respeitado por ser um soldado. Isto se torna evidente quando Fabiano o encontra perdido no sertão; podendo matá-lo por este o ter prendido e maltratado um certo dia na cidade, Fabiano resolve deixá-lo seguir, pois tem medo de ser novamente encarcerado.
“Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro. _ “Governo é governo”.”
(capítulo “O SOLDADO AMARELO” – pg. 107)

OBSERVAÇÃO: seu Tomás da Bolandeira, apesar de ser muito citado, é mais uma referência de inteligência e vida farta do que um personagem propriamente dito. Além dele são citados sinhá Terta, costureira e benzedeira, e seu Inácio, dono de uma venda na cidade.

2.3 – NARRADOR
O narrador está em primeira pessoa, ou seja, é um narrador onisciente que não abusa do poder de tudo saber, controlando-se com freqüência no emprego do discurso indireto livre; temos como exemplo o recorte abaixo:
“Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada. Só queria voltar para junto de sinhá Vitória, deitar-se na cama de varas. Por que vinham bulir com um homem que só queria descansar? Devia bulir com os outros.” (capitulo “CADEIA” – pg. 33). A voz parece ser simultaneamente do personagem e do narrador.
A obra é um romance “desmontável”, conforme a observação do cronista Rubem Braga, pois não se tem no romance um pseudo-autor presente a escrever o que lhe aconteceu; é substituído por um narrador, encadeando proto-estórias numa narrativa mais ampla, independentes da maioria, mantendo sua unidade e sentido completo.

2.4 – TEMPO
Não há objetivos que permitam precisar o tempo cronológico em que decorre a narrativa, a não ser que os acontecimentos vividos pela família que se desenrolam entre duas secas. Existe também na obra o tempo psicológico, pois enfatiza mais as dimensões mental/emocional das personagens.
"Por pouco que o selvagem pense - e os meus personagens são quase selvagens – o que ele pensa merece anotação."
Graciliano Ramos

2.5 – ESPAÇO
Vidas Secas é um romance que se desenvolve no sertão nordestino; a família vive agregada numa fazenda cujo proprietário é patrão de Fabiano.

2.6 – AMBIENTE
Observa-se que o romance apresenta um ambiente sem sentimentalismo, pois, por viverem em um espaço onde não lhes é oferecida boas condições de vida, tornam-se pessoas rudes, que não conseguem deixar transparecer seus sentimentos.
O ambiente é escasso de linguagem verbal, pois os personagens quase nunca dialogam. Está presente também a injustiça social e a pobreza, fazendo com que as personagens fiquem desanimadas em relação à vida. Enfim, o ambiente em que eles vivem é “seco” em todos os sentidos.

2.7 – TEMA
Injustiça social

2.8 – ASSUNTO
Denúncia social

2.9 – MENSAGEM
A seca não está apenas no sertão, mas na alma de muitos e na falta de ações de outros.

III – ANÁLISE DAS FIGURAS E VÍCIOS DE LINGUAGEM EM VIDAS SECAS, OBRA DE GRACILIANO RAMOS

O romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos é carregado de figuras de linguagem desde as mais conhecidas, como a Metáfora, às menos populares (Analepse, por exemplo). A obra é tão bem trabalhada que as figuras começam pelo título da mesma: “VIDAS SECAS”. O primeiro vocábulo dá sentido de abundância enquanto o segundo dá idéia de vazio, ou seja, há um Paradoxo (oposição de idéias resultando em uma construção de sentido ilógico).
Existe uma fácil percepção das figuras Prosopopéia e Zoomorfismo. Nota-se a primeira na humanização dos animais e da paisagem: “Os mandacarus e os alastrados vestiam a campina.” (capítulo “FUGA” – pg. 120). A segunda figura consiste em aproximar e descrever o comportamento humano como de um animal, ou tratá-lo como tal. Isto ocorre quando Fabiano vai sendo descrito pelo narrador, no capítulo de mesmo nome: “O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco.” (capítulo “FABIANO” – pg. 19).
Por ser uma família banida de linguagem, o uso de Onomatopéias (palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada) está presente na maioria das falas ou expressões: “... mas agora rangia os dentes, soprava. Merecia castigo? _ An!” (capítulo “CADEIA” – pg. 33). Além disso, a Tautologia (vício de linguagem que consiste em dizer a mesma coisa, por formas diferentes, repetidas vezes) é usada para explicar o significado pelo próprio nome, como por exemplo, “_ Festa é festa.” (capítulo “FESTA” – pg. 77). Fabiano não sabe o que é festa, mas tenta fazer uso do nome para dar conceito à própria palavra. Não só neste recorte encontramos a falta de vocabulário, como na passagem que Fabiano tenta falar como seu Tomás da Bolandeira, no capítulo Cadeia. Ao tentar se expressar, acaba se contradizendo, ocorrendo a Antítese (palavras ou expressões de sentidos opostos): “isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.” (capítulo “CADEIA” – pg. 28).
O narrador também faz uso de Gradação (seqüência de idéias em sentido crescente ou decrescente) e de Assíndeto (ausência de conectivos). Tem-se como exemplo esta passagem: “Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se...” (capítulo “MUDANÇA” – pg. 9) *.
O emprego de Metáforas está em todo o romance, assim como a Comparação. A Metáfora (comparação subentendida, como será visto a seguir) funde o ser humano e o animal, como se vê neste fragmento: “¬_ Você é um bicho, Fabiano.” (capítulo “FABIANO” – pg. 19). A Comparação (não subentendida, geralmente vinda com o conectivo “como”) também se torna populosa na obra: “... aparecera como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.” (capítulo “FABIANO” – pg. 19).
Para dar ênfase às frases, o narrador opta por figuras que eram muito usadas no simbolismo (davam efeito de musicalidade), como o uso de Aliterações-assonância, que ocorre com a repetição de uma vogal para dar rima “Veja que mole e quente é pé de gente.” (capítulo “FABIANO” – pg. 31). Também há presença da Aliteração-consonância, que consiste na repetição de consoantes para dar musicalidade: “... e aí fervilhava uma população de pedras vivas e plantas que procediam como gente.” (capítulo “O MENINO MAIS VELHO” – pg. 58).
A Elipse, omissão de palavras sem que se comprometa a frase, é aplicada com louvor por Graciliano (também conhecido por assim fazer em suas obras): “... o rio subia a ladeira, estava perto dos juazeiros. Não havia notícia de que (o rio) os houvesse atingido.” (capítulo “INVERNO” – pg. 67). É clara a utilização da Zeugma (um tipo de Elipse) quando o narrador omite a palavra “rio”, já dita na oração anterior e sem necessidade de ser retomada.
No recorte seguinte, ver-se-á um exemplo de Apóstrofe: “_ Anda, excomungado.” (capítulo “MUDANÇA” – pg. 10). A palavra “Anda” dá idéia de chamamento, que é o conceito da figura apontada acima. Quanto à repetição de uma palavra para dar ênfase à idéia (Anáfora), temos três orações consecutivas que apresentam o mesmo verbo: “Mas havia a mulher, havia os meninos, havia a cachorra.” (capítulo “CADEIA” – pg. 37).
Há duas figuras que tem conceitos opostos de se expressar ou dar uma notícia: o Eufemismo e o Disfemismo. O Eufemismo suaviza e o Disfemismo deprecia. Para melhor compreensão veja os trechos a seguir: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás.” (capítulo “BALEIA” – pg. 91); “... e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do branco, certo de que fora enganado.” (capítulo “FESTA” – pg. 76). O primeiro chega a abrandar a notícia que “Baleia está morrendo”. O segundo, ao invés de pôr “Fabiano, com muita raiva”, escolhe “Fabiano, com os miolos ardendo”, desdenhando assim a expressão.
A Ironia é uma figura muito usada no cotidiano e em programas humorísticos, e se faz presente até no nome das personagens, como Sinhá Vitória e Baleia. Quando o narrador revela o nome da cachorra, Baleia, a princípio, nos leva a imaginar uma cadela gorda, mas, pelo contrário, como é perceptível quando o narrador a descreve nota-se que ela é totalmente o oposto de seu nome: “... a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas a mostra, corria ofegante, a língua fora da boca...” (capítulo “MUDANÇA” – pg. 11).
A repetição de palavras no fim de duas orações consecutivas (Epístrofe), no começo e no fim de uma frase (Epizeuxe), no fim e no começo da mesma oração (Anadiplose) ou da mesma palavra que se repete havendo apenas uma de permeio (Diácope), não são encontradas com a mesma freqüência que as metáforas, mas que podem ser notadas a partir dos recortes expostos a seguir: “Fora roubado, com certeza fora roubado” (capítulo “FESTA” – pg. 77); “_Bem, Bem. Não há nada não.” (capítulo “CADEIA” – pg. 33); “Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra, a pedra estava fria.” (capítulo “BALEIA” – pg. 91); “Se pudesse... Ah! se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas.” (capítulo “CADEIA” – pg. 36).
Às vezes o narrador volta ao passado interrompendo a seqüência cronológica da narrativa, como se fosse um flashback. Isto se chama Analepse, mais utilizada quando Sinhá Vitória se lembra do papagaio que fora comido ou quando Fabiano pensa em Baleia, depois de ela ter sido morta: “Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça...” (capítulo “MUDANÇA” – pg. 11). Assim como há a Analepse também existe a Prolepse, que é um recurso narrativo através do qual se pode descrever o futuro. Quando Fabiano antecipa o destino dos filhos, pensando num futuro que se parece com o presente vivido pela família, esta figura aparece: “Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados, por um soldado amarelo.” (capítulo “FUGA” – pg. 37).
Enfim, não se pode esquecer a Hipérbole, figura usada para intensificar uma idéia: “Baleia voou de novo entre as macambiras inutilmente.” (capítulo “FABIANO” – pg. 21).

OBSERVAÇÃO:
“O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado.” (capítulo “O MUNDO COBERTO DE PENAS” – pg. 109).
Na sentença acima, o termo grifado pode representar três diferentes figuras de linguagem: Hipérbole, Metáfora e Prosopopéia. A primeira está contida porque intensifica o modo como a água ia desaparecendo do poço; a segunda é empregada porque a palavra em negrito está fora do seu sentido próprio; a terceira se dá pela idéia na oração, já que o sol é um ser inanimado e na oração ele é humanizado.


*Sabe-se que Graciliano Ramos por várias e várias vezes leu o livro para tirar tudo que não tivesse necessidade de ser posto. Logo, a linguagem enxuta do autor o fez usar mais vírgulas do que conectivos.

Orientadora: Tânia Ataíde (profª Msª de literatura na Universidade do Estado do Amapá-UEAP)
Acadêmicos: Bianca Vilhena; Ezequias Corrêa; Lorenna Braga; Maria do Socorro; Miriana da Costa (acadêmicos do curso de Letras pela Universidade do Estado do Amapá-UEAP)

IV – REFERÊNCIAS

Google.pesquisa de literatura.
Disponível em: Acesso em: 15 set 2008, às 20:23h.
Disponível em: Acesso em: 18 set 2008, às 15:16h.
Disponível em: Acesso em: 5 Nov 2007 9:36h.
BUENO, Antônio Sérgio. OLIVEIRA, Silvana Maria Pessôa de. SCARPELLI, Marli Fantini. Puc, livros do vestibular: análise, comentários e testes. Editora Speed. Belo Horizonte, 1999.
Ramos, Graciliano. Vidas Secas. Editora Record. 106ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo, 2008.
SACCONI, Luiz Antonio. Nossa Gramática – teoria e prática. Editora Atual. 25ª edição. São Paulo, 1999. pgs. 492-501.
SANT’ANNA. Affonso Romano de. Análise estrutural de romances brasileiros. Editora Petrópolis. 7ª edição. São Paulo, 1989.
SARMENTI, Leila Lauar. Gramática em textos. Editora Moderna. 1ª edição. São Paulo, 1999. Pgs. 541-550.